O esforço de quem trabalha com conteúdo de saúde para trazer à tona uma discussão mais aberta sobre saúde mental é fundamental para difundir e normalizar o assunto. O problema é que, dependendo da abordagem, muitas vezes acabamos por gerar uma série de impressões erradas e frustrações para quem espera “superar” um transtorno ou convive com alguém que parece não melhorar.
Saúde mental é um tópico complexo, que envolve não só a mente e a fisiologia humanas como também fatores estruturais, como pobreza, discriminação, violência, opressão e falta de acesso a recursos e oportunidades. Portanto, muito do que afeta a saúde mental de milhões de pessoas pode ter forte conexão com justiça social, em um contexto que vai bem além do indivíduo. É meio como culpar quem não recicla garrafinhas de água pela poluição de plástico no meio ambiente sem olhar para a enorme fatia de responsabilidade da indústria petroquímica.
Obviamente que um primeiro passo para quem enfrenta um desafio de saúde mental é buscar avaliação profissional (séria e competente, o que já é outro obstáculo além do financeiro, dada a propagação de gurus de auto-ajuda vendendo ilusões) e um eventual diagnóstico.
Só que, como o caminho de gerenciamento de qualquer transtorno que afeta a mente tende a ser marcado por altos e baixos, a simplificação excessiva na comunicação sobre saúde mental pode gerar até piora na percepção do quadro pela pessoa ou pela família, mesmo de quem consegue algum tipo de tratamento.
“Mas essa moça se trata há anos e ainda não melhorou por quê?” ou “esse aí continua bebendo de safadeza mesmo” são típicos comentários provenientes de expectativas equivocadas, às vezes fruto da ideia de que tudo tem cura e “basta” tomar uma medicação ou frequentar o psicólogo e as coisas se resolvem.
Sabemos que nem sempre os profissionais de saúde têm contato suficiente com as famílias ou os próprios pacientes para que haja tempo de educá-los em todos os aspectos do problema que enfrentam. Dessa forma, quem trabalha com conteúdo de saúde pode aprofundar a discussão para além da listinha ou ilustração nas mídias sociais de sintomas, tratamentos ou sinais de alerta de um determinado transtorno. Seria útil incluir também:
- Dificuldades à frente, assim como perspectivas de recaídas e como lidar com elas.
- Dados concretos do que se sabe e o que não se sabe sobre o tema, evitando generalizações sobre cura e diagnósticos definitivos, já que a ciência e os protocolos clínicos mudam à medida que se aprende mais.
- Informações básicas do contexto socioeconômico envolvendo o problema, o que ajuda a combater estigmas e mitos.
- Opções de que tipo de profissionais de saúde trabalham com o assunto, qual a disponibilidade deles pela rede pública e qual a cobertura por convênios médicos.
As experiências de quem tem transtorno bipolar, está no espectro autista, é esquizofrênico, vira dependente químico, sofre de um transtorno alimentar ou convive com depressão crônica são absolutamente diversas, e não há como explicá-las como um bloco único de “problema de saúde mental”, em que a resolução só depende da vontade individual ou de supervisão profissional. O tratamento é tão importante quanto o entendimento dos vários aspectos físicos, mentais, ambientais e sociais que compõem algo que afeta a saúde mental. A cobertura midiática do assunto precisa abordar essas complexidades.